terça-feira, 6 de outubro de 2009

O Trabalho



*NOTA: Este post é um pequeno conto que eu sempre quis contar, sou eu tentando escrever uma fábula!



Toda manhã vagava pelas ruas o mendigo.
Seu andar cambaleante, perecido com os dos bêbados, compassado ao seu jeito, desenhava um trajeto oculto, que só ele, o mendigo, entendia. Usava trapos como qualquer andarilho que se prezasse, na mão esquerda, uma sacola de pano balançava fazendo um som tilintante, na direita, levava uma vara longa, esculpida toscamente com alguma faca cega.
O conteúdo desta sacola virou mito pela boca dos meninos que imaginavam artefatos fúnebres habitando o interior do saco. Ninguém saberia dizer ao certo o que realmente lá existia.
A vara dava a ele um ar de profeta nauseabundo, porque este era o cheiro do mendigo, e o usava como armadura contra os perigos e mal fazeres.
Todos os dias eram a mesma coisa na vida do mendigo, ele percorria as ruas, cambaleando, sacola na mão, vara na outra, o cheiro nauseabundo... era uma visão o mendigo! As vezes, brandia a vara aos céus, como maça de guerra, com fúria repentina; deixava cair a sacola e com ira, ralhava, inteligível, contra o sol que ardia, seu trabalho divino começava. As pessoas tinham medo do mendigo, o que ele entendia, afinal, esse era um dos requisitos de seu trabalho ancestral, exigiam dele ferocidade, misantropia e desapego. Era iluminado o mendigo.
As mesmas pessoas que o temiam e que apressadas saiam do seu caminho, não se sabe se por mesmerismo, ou por puro senso de dever, deixavam na porta comida, cobertores e água, tudo o que o mendigo necessitava para continuar vivo. Sim, doavam, porque o mendigo orgulhoso não pedia, sequer agradecia, esse era o pagamento justo pelo seu importante trabalho!
Assim se passava o dia. Ralhando para o sol, acuando-o para o horizonte poente, ia o mendigo destemido, seguindo até um mirante, uma depressão natural no coração da cidade ainda tomada pelo sol, o deus odiado pelo sujo mendigo. E então longe dos olhares de desprezo e medo dos habitantes da terra, sua mão de unhas pretas retira um pequeno sino de prata da sacola, e o mendigo executa seu importante trabalho.
Com a vara em riste ele declama palavras antigas para tanger o sol no horizonte e com a outra mão, às suas costas, toca o sinete de prata que com seu som encanta a lua que segue o som cristalino... Pastor da noite! Assim termina o trabalho diário do mendigo, o ofício de afugentar o sol para que a noite chegue.

4 comentários:

Clarissa B. disse...

Minha primeira reação ao terminar foi:
"Ai que lindo, já adoro esse mendigo... bendito seja ele que trouxe a lua... e que seja cheia... de preferência...*pensamentos pecaminosos rondam minha cabecinha*"

Senti sua falta hoje... minha vez de perguntar por onde anda...

Beijos...

Rafa disse...

Hummmm... esse mendigo era chegado num negócinho né? Acahava ele que encantava, achava que abalava mas no fundo, era da névoa que a lua saia...

3 x Trinta - Solteira, Casada, Divorciada disse...

Oi Niva!!!!!!

Tudo bom? Chiquérrimo vc blogueiro!!!!! Adorei a novidade.

Vou te linkar lá no blog. E recomendar, claro!!!!!

Vc não vem para cá? Eu estarei aí no Natal, vamos nos ver de qualquer maneira.

Saudades e um beijão,

Bela (A Divorciada, hahaha!!!!)

Rafa disse...

“o poeta escreve poesia
para ser criança todo dia.”

Pense nisso! Achei sua cara.