quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Musicadas


A música está essencialmente ligada à palavra e é um demarcador da memória de um povo. Canções podem contar sobre sentimentos de uma época, sobre o povo de um lugar e são constantemente bordadas e enriquecidas com detalhes, sejam eles rítmicos ou literários.
A música está em constante mudança, mas guarda em sua medula, a função de registro.
Os povos do deserto do Saara, os Tuaregs, têm uma grande relação com a música, principalmente as mulheres, na verdade, são elas o pilar desta sociedade matriarcal, uma das poucas existentes neste mundo de sociedades que giram em torno da figura masculina. São as mulheres Tuaregs que escolhem seus maridos, não precisam usar o véu, são elas as donas de suas tendas, do rebanho, só é dado a elas o direito do divórcio e principalmente, são delas o dever e privilégio de tocar instrumentos e cantar canções antigas, alguns homens podem fazer uso da arte de cantar e tocar, mas tradicionalmente é delas a honra de “cantadoras” do Saara. O Imzad, por exemplo, um típico instrumento que lembra uma mistura de bandolim com violino, só pode ser tocado por mulheres. Nas músicas de casamento do deserto, a canção cantada para os noivos é o diálogo da sogra que diz ao futuro marido, recomendações de como deve tratar sua preciosa filha, não a deixando pegar água no poço, alimentar os animais, mandando-o presenteá-la com jóias e muitos criados, e estranhamente, ou naturalmente (não sei), eles se deliciam com esta submissão ao mais “delicado” ser já visto na face da terra que é a mulher.
As mulheres do deserto fazem alguns de seus instrumentos adaptando utensílios de sua cozinha, imagino eu que assim o fazem, porque entendem que a música alimenta tanto quanto a comida, e orgulhosas, enquanto esticam a pele do tambor, que elas chamam de Tendé, fazem questão de mostrar que são as maiores estrelas daquele lugar, e como emissárias do desejo, gritando cânticos, com suas línguas a tremular, fazendo um dos sons mais característicos de uma etnia, fazem os homens dançarem e se exibirem, é através dessas palmas e canções, das batidas de um tambor, híbrido de panela com couro curtido, que essas mulheres imortalizam o tempo e repetem um dos rituais mais antigos do mundo. A despeito da austeridade dos povos Saarianos, essas músicas têm uma conotação de liberação sexual, e é dado, neste momento, aos homens, o status de objetos de desejo, como uma estranha subversão (para nós ocidentais claro!) dos papéis do gênero. Nesta sociedade, o concurso de beleza elege o homem mais belo, e com uma delicadeza sem igual, eles se enfeitam de vivas cores e dançam, com sorrisos escancarados mostrando exageradamente os dentes e abrindo bem os olhos, tudo ritmado pelos cantos femininos.
Os nômades do deserto repudiam a moradia fixa, acreditam que a casa é o túmulo dos vivos, eles privilegiam o que é fácil de transportar, outro motivo dos utensílios-instrumentos, e acreditam que o Saara é o jardim de Alá, que tirou tudo de lá para poder andar em paz... São esses os temas das suas canções, e com elas são embalados os nascimentos de novos e abnegados moradores do austero deserto, como também servem de trilha sonora para as noites de amor sob o céu deste lugar espantoso.
No deserto, a música é viva na boca de suas mulheres.
“Os três Chás;
O primeiro é amargo como o amor;
O segundo é doce como o amor,
E o terceiro, só é água com açúcar...”

Ditado Tuareg cantado por suas mulheres.

3 comentários:

erotico disse...

Menino,
A-do-ro Haikais! rsrs
Um beijo,
L.

Clarissa B. disse...

Humm...

Interessante....

Mas não... não gostaria de ser uma Tuareg... estou satisfeita...

Suki...

(Caindo de sono!)

Flavio Ferrari disse...

Imaginei-me Tuareg, entre tudras e taigas ...